10 de mar. de 2013

Dois Velhinhos

Dois pobres inválidos, bem velhinhos, esquecidos numa cela de asilo.


Ao lado da janela, retorcendo os aleijões e esticando a cabeça, apenas um podia olhar lá fora.


Junto à porta, no fundo da cama, o outro espiava a parece úmida, o crucifixo negro, as moscas no fio de luz. Com inveja, perguntava o que acontecia. Deslumbrado, anunciava o primeiro:


- Um cachorro ergue a perninha no poste.


Mais tarde:


- Uma menina de vestido branco pulando corda.


Ou ainda:


- Agora é um enterro de luxo.


Sem nada ver, o amigo remordia-se no seu canto. O mais velho acabou morrendo, para alegria do segundo, instalado afinal debaixo da janela.


Não dormiu, antegozando a manhã. Bem desconfiava que o outro não lhe revelava tudo.


Cochilou um instante - era dia. Sentou-se na cama, com dores espichou o pescoço: entre os muros em ruína, ali no beco, um monte de lixo.


TREVISAN, Dalton. Mistérios de Curitiba. Record: Rio de Janeiro, 1979. p. 110.