15 de out. de 2009

Estado e poder

Quando Jean-Jacques Rousseau escreveu a obra "o contrato social", afirmando que o cidadão abre mão de sua liberdade, em favor do estado, estava certíssimo.


Agora, será que o autor imaginou o dia em que o estado, por mote próprio, tomaria a liberdade do cidadão?


Não, não se está, aqui, tratando de crítica a regimes ditatoriais. A tomada da liberdade do cidadão, pelo estado, ocorre nas democracias. Ou em países que democráticos se proclamam.


É o caso de um ocorrido de ontem, dia 14.10.2009. Dois dias depois da data em que se comemora do Dia das Crianças.


Um casal de andarilhos, que sobrevive recolhendo material reciclável nas ruas, tem dois filhos. A mais velha, uma menina. Ainda bem criança. Um menino o mais novo. Quase um bebê.


Os pais não possuem casa. E os filhos eram carregados dentro de um carrinho de madeira, ou acompanhavam os pais, caminhando. Dormiam onde podiam, acomodando-se da melhor forma que encontravam.


Quantos, em grandes cidades brasileiras assim vivem? Quantas crianças dormem nas ruas, distantes dos pais, ou de qualquer outra pessoa da família?


Todas as manhãs o casal e os filhos ganhavam o café de um empresário. Ele é proprietário de uma revenda de automóveis que fica a uma quadra de meu local de trabalho. Almoçavam em um restaurante, também bastante próximo. O proprietário do restaurante nada lhes cobrava pelas refeições. E para a janta, a vizinhança sempre dava um jeito. Cada um ajudava um dia.


Não é essa a melhor forma de criar filhos. Isso não precisa ser dito. Mas as crianças não eram maltratadas pelos pais. O casal não se envolvia com álcool ou drogas. Só a miserável condição decorrente da falta de oportunidades. As oportunidades que certamente foram negadas a pai e mãe, desde que nasceram.


Lá pelas 14:30 horas, o casal foi abordado por três policiais militares e por duas "conselheiras" do Conselho Tutelar. Afirmando cumprir ordem judicial, as "conselheiras" arrancaram truculentamente as crianças das mãos de pai e mãe. Nenhuma explicação deram ao casal. Nada disseram sobre o que acontecia, ou como a situação poderia ser resolvida.


Parte da vizinhança, principalmente aqueles que ajudavam a família, tentou impedir que as crianças fossem levadas. Protestou contra aquela atitude brutal.


Deixaram ambos sozinhos, na calçada.


O homem, com seu orgulho de pai ferido. Com a realidade de nada poder fazer atirada na cara. Ficou ali, esbravejando. Ciente de que, como homem, como marido e como pai, fracassou.


A mãe ficou sentada na calçada. Chorava desesperadamente. Daquela forma que não se pode consolar, porque não existem palavras para aliviar a dor suportada. Deixou-se ali ficar, com o vazio que só as mães são capazes de sentir, quando são afastadas de um filho.


A medida "protetiva" determinada pelo Poder Judiciário, a pedido do Ministério Público, certamente visou acudir a situação em que se encontravam as crianças. Disso não há dúvida, nem se pode condenar ao Juiz e ao Promotor por pretenderem encaminhar as crianças para uma vida melhor.


Mas, e o desespero daquele pai? E o vazio completo em que foi atirada aquela mãe? Situação que deixa questões a responder.


Alguém os avisou da medida, para que pudessem procurar uma casa onde viver com os filhos? Alguém, antes de destruir a família, buscou ajudar aquele pai e aquela mãe, oferecendo-lhes emprego? Oferecendo-lhes financiamento com carência para aquisição de uma casa?


O Ministério Público, ao invés de limitar-se a retirar as crianças do convívio da família, não poderia ajuizar uma ação para obrigar o Poder Executivo a atender o casal e as crianças, auxiliando-os com casa e emprego? Não são, diuturnamente, ajuizadas ações para entrega de remédios? Por que não para entrega de lares?


Por quanto tempo o ser humano criou-se nas matas? Por quanto tempo o povo viveu nas ruas, dormindo ao relento, nas sombras dos castelos da nobreza? Por quanto tempo o homem criou-se ao relento, tendo a lua e o sol como teto, sem que isso tenha sido motivo para se distanciar das pessoas amadas?


Além dos nomes dados aos ocupantes do poder, algo mudou, de lá para cá?


Os únicos que se solidarizaram com o casal, fomos nós. Os vizinhos que ajudavam aquele pai e aquela mãe a, do modo como podiam, cuidar e criar os filhos.


A sociedade a construir, segundo diz a Constituição Federal, deve ser livre, justa e solidária. Os ideais da democracia são a liberdade, a igualdade e a fraternidade.


É justo separar uma mãe de seus filhos? É justo negar uma única oportunidade ao um pai, que quer apenas cuidar de seus entes queridos?


Há fraternidade (ou solidariedade) em destruir uma família, ao invés de agir para mantê-la unida?


Todas essas questões, e mais muitas outras, ficaram martelando durante uma noite insone.