14 de fev. de 2007

De Novo

O acontecido no Rio de Janeiro (sempre lá) com a criança arrastada por assaltantes provocou um onda de protestos pela redução da maioridade penal.

Mamãe e papai chorando frente câmeras de televisão e máquinas de fotografia de jornais e revistas. Parentes e amigos comovidos em romaria pelo cemitério e igreja. Desconhecidos levando solidariedade e indignação. E aproveitadores, jornalistas sem qualquer escrúpulo e políticos populistas retomando a velha campanha. É a repetição da mesma história.

Quando a atriz global foi assassinada, mamãe foi a todos os telejornais, programas policiais, programas de entrevistas, programas de auditório, jornais diários e revistas semanais, entidades de classe, organizações não governamentais, Congresso Nacional, órgãos do Poder Executivo e Judiciário. Tudo em prol da lei dos crimes hediondos.

A quem interessar possa, a lei dos crimes hediondos diz que alguns crimes são mais criminosos que outros crimes. Nestas e outras hipocrisias anda o Brasil. Os defensores do teto que o digam. Só aqui, no País onde todas as empresas pagam o piso das convenções coletivas, os membros do Judiciário e do Executivo brigam pelo teto. De fato, vinte e cinco paus por mês não é salário digno.

Agora se retorna aos lados da redução da maioridade penal. A milagreira resolução dos problemas de criminalidade. Ao invés do moleque ir para a cadeia com dezoito, vai com dezesseis. Quatorze para os mais radicais.

Crianças de dez, doze anos, vão pôr nos bolsos uma trouxinha de maconha, um pacotinho de cocaína ou algumas pedras de crack, e passá-los aos viciados.

Algumas armas, inclusive, possuem redutor do coice. E uma criança de doze anos pode atirar em alguém com muito menos consciência do delito que comete, do que uma pessoa com dezoito.

Aliás, ter a consciência de que o ato praticado em desacordo com a lei configura crime, a história das penas não deixa mentir, é o motivo pelo qual se estabeleceu a dita maioridade penal.

A pergunta a ser feita, pois, é se mesmo o maior de dezoito, criado em meio ao completo abandono estatal, convivendo diariamente com todas as espécies de delito, tem consciência de que matar, traficar, roubar, furtar, sequestar, violentar, extorquir, é crime (?). Ou, se para esta pessoa é o cotidiano (?). O normal (?).

Quem é criado no crime, não vê o crime como tal. E se não pode entender que aquilo que faz é crime, não pode sofrer a imputação penal. De pensar num menor de dezoito anos, pois.

Que desculpem, pois, os puritanos, de almas e mãos limpas, livres do pecado original e das impurezas sociais. Aqueles que vão na missa no domingo. Aqueles que são do bem, e querem que os pretos, os pobres e as putas apodreçam na cadeia. Aqueles que torcem contra o neguinho do Big-Brother, que vão às baladas chiques entupir o traseiro com uísque importado e tomar comprimidos de ecstasy (droga de rico têm até nome em inglês). Aqueles que dirigem importado do ano. Que vão pr'a casa de praia nas férias. Que passeiam na Disney e compram muamba acima da cota em Miami. Aqueles que pagam propina pr'a empresa ganhar licitação. Este País é aquele que vocês, em toda sua angelical brancura exterior e toda sua nojeira interior ajudaram a construir. O povão sempre foi vossa massa de manobra.

Os problemas não vão ser resolvidos botando criança pobre na cadeia, por mais que estas crianças sejam uma ameaça ao patrimônio e à vida. A delas foi destruída quando nasceram.

12 de jan. de 2007

2007

Ano após ano depara-se com novas formas de maracutaias políticas. E também com a repetição das antigas, ainda impunes.

Ano após ano depara-se com o aumento desenfreado da criminalidade, de atos quase terroristas perpetrados por criminosos cientes da alarmante impunidade.

Ano após ano depara-se com agentes públicos de todos os escalões, de todos os Poderes e de todas as esferas federativas envolvidos em escândalos. Funcionários públicos que não trabalham e que, quanto trabalham o fazem mal, com total desinteresse pela própria função e com total despreso pelo dinheiro público.

Ano após ano supostos vigilantes da ordem e da moral pública bradam na imprensa a necessidade de endurecer a legislação penal. Escondidos sob um falso manto de legalidade e moralidade, procuram legitimar atos estatais cada vez mais despóticos e anti-democráticos. As penas são aumentadas. As condições de cumprimento da pena são endurecidas. Os benefícios aos detendos são caçados. Prisões ilegais ou abusivas são mantidas, em nome da segurança pública ou de suposto interesse social. Escritórios são invadidos. Escutas telefônicas e contas bancárias tornam-se domínio público em instantes. Bens são bloqueados e os envolvidos condenados antes mesmo de ser processados.

Está posta, de forma velada, uma nova ditadura. A ditadura da lei. Tudo o que é legal é possível, ainda que viole os mais elementares direitos do cidadão, como liberdade, saúde, educação, alimentação e moradia.

Ao cidadão, o império da lei, imposto à força e sem dó. Ao Estado e seus agentes a impunidade e ausência de qualquer responsabilização pela criação de aberrações legislativas e aplicação errônea a abusivo desta lei.

Enquanto o aplicador da lei e o gerente da coisa pública não for responsabilizado, nada se poderá fazer, para escapar das garras do Estado, que precipitam-se sobre o povo, sem que ninguém as vigie ou as possa controlar.

Este o retrato de 2007. A ditadura da lei imposta por um Poder Judiciário subserviente aos escusos interesses dos já irrecuperavelmente podres Legislativo e Executivo.

Tudo em nome da ordem, da moral e dos bons costumes, é claro.