20 de jun. de 2005

Voto

Toda a escandalosa cena que se passa na Capital da tão sofrida República leva a uma reflexão. Há, realmente, necessidade de votar?

Não se está, aqui, contestando a lei. Legalmente, há necessidade de votar. Pois votar é dever cívico de cada cidadão maior de dezoito anos. E é faculdade cívica de cada cidadão que possua dezesseis anos completos. A ausência de voto acarreta prejuízos. O cidadão pode ser multado. O cidadão não poderá realizar alguns dos atos da vida civil. E o cidadão não terá cumprido com seu dever de auxiliar da democracia.

Democracia?

Entendia, em outros tempos, que democracia era aquele sistema onde vale a vontade da maioria, apurada pelo voto direto e não declarado, ou seja, secreto. Mas esta democracia nunca foi brasileira.

Por aqui, o voto, em seus primórdios, foi de cabresto - até hoje é assim.

Por aqui, o voto, em seus primórdios, foi dado em troca de bens ou favores - até hoje é assim.

Por aqui, o voto, em seus primórdios, é controlado e vigiado - até hoje é assim.

Até hoje é assim. Tanto o voto do povo, nas eleições, quanto o voto dos eleitos do legislativo, na aprovação ou desaprovação de leis.

Então, por que votar? Será possível defender a cada vez mais atrativa tese da desobediência civil? Quer parecer que sim. Vota-se se for aprazível. Se entender que não há candidato que mereça uma diligência até a zona ou curral eleitoral - os dois nomes são muito apropriados - fica-se em casa, assistindo as reportagens do movimento do gado indo ao curral, ou das putas entregando o produto da venda. Depois, continua-se em casa, assistindo os resultados das pesquisas de boca de urna e o minuto a minuto das apurações.

Tudo um verdadeiro espetáculo. Afinal, não é com pão e circo que se alimenta corpo e mente do povo?

19 de jun. de 2005

Fala, Atleticano

Um texto meu na Furacão.com. Leia, aqui.

13 de jun. de 2005

Terra sem lei

Impossível ficar imune ao denuncismo que corre solto em Brasília. Tentar não comentar o caso, é uma coisa: é até possível, silenciosamente, ler e escutar as notícias; mas ficar alienado, ou fingir alienação exige muito esforço. Só presidente para conseguir.

O partido supostamente comprador de votos de plantão finge alienação. Os chamados homens fortes do governo, afirmam, atestam, assinam embaixo e dão fé de que nada é temido, de que tudo será apurado, de que os responsáveis - em caso de verdadeiras as afirmações - serão descobertos e, por fim, punidos. Ainda que sejam do próprio partido. Ainda que sejam conhecidos de longa data e amigos íntimos.

Incrível como o ser humano tem capacidade de enfurecer-se, representar indignação e exigir responsabilização, depois da besteira feita. E antes? O que é feito antes da besteira? Se a briga é de casal, vá lá. Afinal, nestas horas a ningúem é dado meter a colher. Pelo menos não enquanto a briga fica no bate-boca. Mete-se a colher - e às vezes mete-se, literalmente, o pau no esposo - quando a esposa é agredida, naqueles típicos momentos de retorno ao animalesco. Melhor podem explicar os antropólogos. Mas a briga, no caso, não é de casal. A briga envolve dinheiro público. Grana que você, leitor, suou cinco meses e dez dias para receber. E repassou tudinho, compulsoriamente, a nossos queridos governantes.

Portanto, é dever de cada cidadão meter a colher na briga. Exigir, no mínimo, que sejam cassados impiedosamente os culpados. Que sejam afastados do governo os ministros envolvidos. Exigir que a Polícia Federal e o Ministério Público Federal realizem investigações paralelas aos circos parlamentares de inquérito (sempre começam assim: "Respeitável Públicooooo! Vai começar mais um grandioso espetáculo da cpiiiiiiI!"). E exigir condenação, com cadeia, para cada um dos usurpadores do dinheiro público.

Se acha que é pedir demais, lembre-se das vezes que trocou o amortecedor do carro devido a estradas esburacas; das vezes que deu esmola no sinal, para velhos, mulheres com nenê no colo ou crianças; das vezes que foi assaltado; das vezes em que presenciou ao vivo, ou assistiu na TV (a incrível máquina de fazer doido) gente morrendo em macas, nos corredores superlotados dos hospitais, e gente morrendo fora dos hospitais; das vezes que pegou ônibus lotado; das vez que viu pessoas passando fome. Lembre-se disso, e tente não dar razão àqueles que exigem, radicalmente, punições exemplares.

E depois disso tudo, é dever lembrar do ocorrido e, mais que isso, é dever de cada um votar bem, nas próximas eleições.

6 de jun. de 2005

Perfume

Tinha em mente escrever alguma coisa sobre CPI, sobre a vergonhosa atitude do governo em esconder os aliados das investigações, sobre a distribuição de dinheiro público para que as denúncias sejam esquecidas e assim por diante. Desisti no meio do caminho. A imprensa já faz isso todos os dias. Pára apenas quando recebe "sua" parcela de verbas. Deixe-se, pois, o assunto de lado.

Enquanto escrevo, a televisão está ligada em um programa que não sei o nome e nem entendo o que estão a falar os atores - falam em italiano, sem legendas. Durante as propagandas, uma, em especial, chama a atenção. Um cidadão - só ele é colorido, o restante do cenáio é em preto e branco - entra num daqueles elvadores antigos. Daqueles de puxar um pedaço da porta para cima, e outro para baixo. O colorido.... pausa na narrativa da propaganda: o colorido em questão possui apenas um "éle", não se trata do ex-presidente alagoano. Pois bem, o colorido entra no elevador e dá de cara com uma moça - também colorida. Ela o encara e então aperta o botão stop, para que o elevador pare, obviamente. Depois disso, some o casal e aparece um perfume, com o frasco rodando. A tela em preto e branco, o perfume colorido. Meio rosa, para falar a verdade.

Assistindo a esta propaganda ficaram algumas dúvidas: o que será que aconteceu depois? A colorida se atracou com o colorido? Ou o diretor do comercial disse "corta", e ambos voltaram a seus camarins para trocar-se, ir no RH pegar o cachê e tomar e caminho de casa? A segunda opção é a mais provável.

Mesmo assim, imagine que a primeira opção aconteceu realmente. Será que o casal colorido iria, realmente, atracar-se no elevador? Pior, num elevador velho que, sabe lá se iria aguentar o chacoalhar do casal, indo e vindo voluptuosamente. Sim, porque as caras e bocas que faziam no comercial dão nítida impressão que haveria, entre eles, no mínimo, sexo animal. Outra pausa: alguns animais, se inquiridos sobre a metáfora, iriam dela discordar, afirmando que fazem sexo muito calmamente. Alguém já imaginou duas tartarugas fazendo sexo selvagem?

Além do risco do elevador literalmente cair - o elevador é velho, lembre-se - há o risco de o síndico do prédio chamar um técnico em elevadores. Ou em consertar pessoalmente o defeito. O que o casal faria, caso fosse surpreendido pelo síndico em pleno ato sexual selvagem? O convidaria para participar? Ela ficaria horrorizada, cobrindo-se com a cuéca do colorido cheiroso? E o síndico? Daria meia volta, deixando o casal terminar o serviço? Diria à zeladora para limpar o local, depois de os coloridos terminarem o ato?

Ou o síndico chamaria a polícia? Seria interessante ver o colorido, cheiroso, jogado numa cela qualquer, de uma delegacia qualquer, num subúrbio de uma cidade qualquer, com um travesti. E seria mais interessante ainda se o travesti tivesse a mesma reação da colorida, exigindo sexo selvagem.

E se a colorida fosse casada? Será que o síndico iria semanalmente dela exigir favores sexuais para nada contar ao marido? Bastaria, é verdade, que o síndico usasse o perfume em questão. A colorida ficaria apaixonada.

Como é impossível saber o que iria acontecer, fica outra pergunta: por que a televisão faz tudo parecer tã fácil?

É como se em todo o mundo, corriqueiramente, as pessoas praticassem sexo nos elevadores. Dialogariam, depois: - Menina, ontem eu e o Pafuncião fizemos amor num elevador panorâmico.
- Jura?!? Me conta, vai.

Ou então: - Bicho, ontem a Crenivelsa me fez um boquete na frente do povão, no panorâmico lá do shopping.
- Tê falei que aquela topo tudo, não falei?

Eu, sinceramente, prefiro ficar fedido.